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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

OS MITOS DA MOTRICIDADE OROFACIAL NA SÍNDROME DE DOWN

SARA ROSENFELD-JOHNSON, M.S., CCC/SLP 

Publicado na Advance Magazine em 4 de agosto de 2007.



Existe uma impressão visual que cada um de nós tem em mente quando pensamos em uma criança ou adulto com síndrome de Down. Como fonoaudióloga de consultório particular por vinte e cinco anos e como professora da cadeira de “Patologias de Fala e Linguagem” na terapia de Motricidade Orofacial, eu aprendi que esta impressão é um poderoso auxílio didático. Quando eu leciono, peço aos alunos/participantes que me contem o que eles consideram ser as características de uma criança com a síndrome de Down, ou de qualquer criança que tenha hipotonia de um ponto de vista oro-miofacial; via de regra eu obtenho as mesmas respostas. Suas descrições tornaram-se tão previsíveis que eu refiro-me a elas como os “Mitos da síndrome de Down”. Eis o que vêem estes profissionais: um palato duro alto/ogival (Mito#1), protrusão de língua (#2), perdas auditivas condutivas de leves a moderadas (#3), infecções crônicas do trato respiratório superior (#4), respiração bucal (#5), postura de boca habitualmente aberta (#6), e finalmente, a impressão de que a língua é maior do que a sua boca (#7).
Estas sete desordens estruturais e/ou funcionais têm sido comumente associadas à síndrome de Down, então porque rotulá-las mitos? Por que as crianças que as minhas colegas e eu temos trabalhado nos últimos quinze anos não apresentam mais estas características. A comunidade terapêutica permitiu, inadvertidamente, que estes mitos se difundissem por que não reconhecemos que eles possam ser evitados. Estas anormalidades ocorrem na maioria das crianças quando elas iniciam os programas de intervenção precoce. O que tem faltado nos nossos tratamentos que lhes permitiu desenvolverem-se? Como conseguimos evitá-los?
Uma rápida revisão de alguns aspectos do desenvolvimento oro-motor básico. As crianças nascem com dois pontos moles no crânio. Um no alto do crânio, na linha média (moleira), e outro embaixo do crânio também na linha média. Estes pontos moles facilitam o processo de nascimento, permitindo a superposição dessas placas do crânio, facilitando o movimento descendente da criança. Depois do nascimento, as placas voltam à sua posição original, finalmente juntando-se entre 12 e 18 meses de idade. Quando as placas encontram-se no topo do crânio, moldam-se ao formato do contorno do cérebro, nos dando o formato redondo da cabeça. Na população com SD, o fechamento da moleira não se dá antes dos 24 meses de idade.
Oclusão idêntica das placas ocorre sob o cérebro, nas placas do palato duro. Assim como o cérebro configura o formato do topo da cabeça, a língua dá forma ao palato. Durante o fechamento do palato, se a língua não se mantiver habitualmente dentro da boca, não há nada que iniba o movimento das placas em direção à linha média. O resultado: mito nº. 1, um palato duro alto e estreito.
Isto pode ser evitado? Voltemos ao bebê no nascimento. Não é do conhecimento geral que mesmo crianças com hipotonia severa, no nascimento, incluindo SD, são respiradores nasais. Elas mantêm suas línguas dentro da boca e, quando avaliadas, as línguas não são exageradamente grandes. Oralmente, estas crianças se parecem com qualquer outra criança, com exceção da sucção mais fraca. Esta importante observação nos leva à conexão entre músculos da mastigação e a musculatura para falar.
Em rápida sucessão, uma cascata de eventos se abre para estes bebes com sucção fraca. Muitas mães me contaram que gostariam profundamente de amamentar seu recém-nascido, mas são incapazes por que o bebê tem uma sucção fraca e/ou a mãe não produz leite suficiente. Excluindo um problema de saúde, a dificuldade é geralmente que a sucção da criança não é bastante forte para estimular as glândulas mamárias para produzir uma quantidade suficiente de leite.
Neste cenário, as mães são tradicionalmente encorajadas pelos médicos a usarem a mamadeira. Amamentar com a mamadeira é adequado quando há necessidade terapêutica, mas às mães são dadas poucas escolhas. Além do mais, quando amamentados com a mamadeira, é comum que o furo do bico seja em cruz ou alargado para facilitar a sucção do bebê. A criança é apoiada no braço dobrado da mãe e a mamadeira é segurada na diagonal, com o bico para baixo. Visualize a cena – o leite escorre facilmente na boca do bebê, mas o quê faz parar o fluxo do líquido, permitindo à criança engolir? A língua protruída; mito nº.2. A excessiva protrusão de língua é um comportamento aprendido que cria uma manifestação física.
Continue visualizando esta criança com baixo tônus muscular. Existe um esfíncter muscular na base da Tuba Auditiva, cuja função é permitir o equilíbrio de pressão dentro do ouvido médio. Se o baixo tônus muscular reduz a eficiência deste esfíncter, então na posição de amamentar o bebê descrita acima, o leite pode perfeitamente entrar no ouvido médio. O resultado: otite média crônica; fator primário causador de perda auditiva condutiva; mito nº. 3.
A entrada de líquido no ouvido médio, e a infecção resultante, difunde-se através das mucosas das membranas do sistema respiratório e freqüentemente torna-se a origem de infecções crônicas do trato respiratório superior; mito nº. 4. A cavidade nasal está congestionada, a criança transfere a respiração nasal para uma respiração oral e temos o mito nº. 5. A mandíbula “cai” para acomodar a respiração oral, encorajando uma postura crônica de boca aberta; mito nº. 6. Como a língua não pode mais ser mantida dentro da boca pelos lábios fechados, o arco palatal não tem nada que impeça o seu movimento em direção à linha média, e acabamos com um palato estreito e ogival, completando o círculo de retorno ao mito nº. 1. A língua da criança permanece flácida com a postura de boca aberta em descanso. A falta de uma retração apropriada da língua é o mito nº. 7. Esta aparência alargada da língua não é, portanto, geneticamente codificada, mas sim uma conseqüência. É muito mais o resultado de uma série de cuidados que são dados em resposta ao problema verdadeiro da fraca sucção.
A compreensão deste cenário permite o entendimento das características vistas nestas crianças quando a fonoaudióloga começa a trabalhar na correção das diversos distúrbios da articulação. O atendimento da musculatura/estrutura orofacial desde o nascimento constitui uma terapia preventiva mais eficiente do que a postura “vamos-esperar-para-ver”, existente hoje em dia. Estas características físicas não estão pré-determinadas. O nosso objetivo terapêutico é o de normalizar o sistema oro-motor através da alimentação iniciada na infância.
Na infância, a nutrição tem a atenção prioritária. Nosso trabalho é balancear a nutrição, uma alimentação bem sucedida e o atendimento terapêutico. O objetivo número 1 é mudar a posição na qual a criança é alimentada. A boca deve sempre estar abaixo dos ouvidos para prevenir a entrada do leite na Tuba Auditiva. A posição da mamadeira será alterada para introduzir o bico abaixo da boca, verticalmente, estimulando um leve abaixamento do queixo do nenê. Nesta posição a criança suga o leite do bico predominantemente com a retração da língua. Esta posição e a força da sucção evitam que o leite de escorra livremente dentro da boca da criança. A criança não necessita mais de uma forte protrusão da língua para permitir a deglutição. É muito importante não aumentar o furo do bico.
As crianças com sucção fraca conseguem puxar o leite para suas bocas nesta posição? Sim, é só você não usar as mamadeiras comuns. Mamadeiras com medidores, de 100 ou 200 ml, podem ser enchidas com leite materno ou qualquer alimento líquido, e o ar pode ser expulso, criando um vácuo. Este tipo de mamadeira pode então ser oferecido à criança em uma posição verticalizada. Se a criança tem sucção fraca e apresenta problemas para sugar o leite, você pode facilitar pressionando suavemente o frasco. Quando eu usei esta técnica, até mesmo com crianças com paralisia mais severa, sempre obtive sucesso. Depois de uma semana mais ou menos, você poderá pressionar menos o frasco, à medida que os músculos vão ficando mais fortes. Esta facilitação é geralmente eliminada entre 3 a 6 semanas.
As mães que amamentam no seio devem seguir os mesmos princípios. Segurar a criança em uma posição onde a boca esteja mais baixa que os ouvidos. Enquanto o bebê suga, a mãe deve estimular as glândulas mamárias para aumentar o fluxo do leite. Isto faz com que o leite da mãe saia com mais força. À medida que a força de sucção da criança aumenta, a necessidade de estimular a glândula será eliminada.
Uma simples modificação na posição da boca da criança relacionada em relação à mamadeira/peito pode melhorar a habilidade oral-motora a longo prazo. Esta modificação evita que uma série de padrões anormais de compensação se desenvolvam. Isto é tão significativo que eu incorporei uma intervenção alimentar no tratamento de todos os meus pacientes com dificuldades oro-motoras, independente da idade ou do diagnóstico. Até mesmo meus pacientes “não-especiais” da 3ª série em tratamento por interposição de língua, trabalham para desenvolver força muscular e retração de língua através da alimentação.
Se os Fonoaudiólogos aceitam a premissa de que a fala normal é baseada em estruturas e funções orais normais, então devemos reconhecer a importância de propiciar desde o início uma intervenção através da alimentação.

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